Em 14 de abril de 2025, o ministro Gilmar Mendes, do STF, determinou a suspensão de todos os processos que discutem a licitude da contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços — prática conhecida como “pejotização” — após o Plenário reconhecer a repercussão geral do Tema n. 1.389, cujo julgamento servirá de paradigma vinculante para todo o Judiciário brasileiro.
CONTEXTO
O Tema n. 1.389 foi admitido pelo STF para uniformizar o entendimento sobre “pejotização” — contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para prestar serviços sem vínculo empregatício formal.
Antes dessa repercussão geral, tribunais trabalhistas reconheciam vínculo empregatício em contratos civis regulares que apresentassem subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade, o que gerou um volume expressivo de reclamações constitucionais no Supremo.
Com a decisão de 2018 (RE 958252 e ADPF 324), o STF validou a terceirização irrestrita, permitindo que empresas terceirizassem até suas atividades-fim, embasando milhares de recursos de empresas para derrubar vínculos reconhecidos pela JT.
PRINCIPAIS PONTOS DA DECISÃO DO STF
- Competência: se a Justiça do Trabalho é a única instância competente para julgar fraudes em contratos civis/comerciais de prestação de serviços por pessoa jurídica ou autônomo.
- Licitude: se é constitucional a contratação de PJ/autônomo para prestação de serviços em atividade-fim, sob o entendimento firmado na reforma de 2017 e confirmado em 2018 pelo STF.
- Ônus da Prova: quem deve provar a existência ou não de fraude — o trabalhador ou a empresa contratante.
O relator criticou a “reiterada recusa” da JT em aplicar a jurisprudência do STF, destacando que, só no primeiro semestre de 2024, chegaram ao Supremo mais de 460 reclamações constitucionais e 1.280 decisões monocráticas sobre o tema, gerando insegurança jurídica e sobrecarga à Corte.
MAS O QUE É PEJOTIZAÇÃO?
A pejotização ocorre quando a empresa contrata um prestador que abre uma pessoa jurídica (PJ) para emitir notas fiscais em troca de serviços, em vez de registrá-lo como empregado sob a CLT.
Nesse modelo, o trabalhador perde direitos trabalhistas como férias, 13º salário, FGTS e seguro-desemprego, em benefício de redução de encargos para a contratante. Embora seja frequentemente justificável por motivos de flexibilidade e redução de custos, se caracterizada subordinação típica de empregado, pode ser reclassificada como vínculo de emprego pela Justiça do Trabalho.
DIFERENÇAS ENTRE PEJOTIZAÇÃO E TERCEIRIZAÇÃO
A pejotização é caracterizada pelarelação bilateral entre empresa contratante e prestador PJ individual; sem vínculo empregatício, sem direitos CLT. Por outro lado, a terceirização se dá através de contrato de prestação de serviços entre a empresa contratante e a empresa terceirizada, sendo os trabalhadores empregados dessa última, com vínculo regido pela CLT e todos os seus direitos assegurados.
A terceirização foi regulada pela Lei 13.429/2017 e reforçada pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), com respaldo do STF em 2018, garantindo constitucionalidade da terceirização de atividade-fim e liberdade de organização produtiva.
IMPLICAÇÕES PARA EMPRESAS
Com a aferição de repercussão geral, fica suspensa a definição de milhares de demandas trabalhistas até a tese vinculante, o que impacta diretamente a estratégia contratual e a mitigação de passivos trabalhistas.
Em 2024, foram registradas 285.055 ações que pleiteiam reconhecimento de vínculo empregatício em contratos de PJ, aumento de 57% em relação a 2023, e, até fevereiro de 2025, já haviam sido ajuizadas 53.783 novas ações — reflexo do crescimento do modelo MEI e da disputa sobre o uso de contratos civis como disfarce de emprego.
Enquanto a maioria dos ministros do STF tende a validar diferentes formas de divisão do trabalho, apenas o ministro Edson Fachin se opôs ao reconhecimento da repercussão geral, entendendo que a matéria deveria ser julgada exclusivamente pela JT.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A definição do Tema n. 1.389 terá efeitos profundos sobre a organização das relações de trabalho no Brasil, especialmente em setores que dependem de contratos de prestação de serviços (TI, representantes comerciais, advocacia associada, entregadores, entre outros).
Até o julgamento definitivo, recomenda-se rigor na formalização dos contratos de prestação de serviços, com atenção à ausência de elementos que caracterizem subordinação, habitualidade e pessoalidade típicas do vínculo empregatício.
É fundamental, portanto, que as empresas contem com assessoria jurídica especializada para analisar e revisar periodicamente seus modelos de contratação, com o objetivo de mitigar riscos de passivos decorrentes de reclamações trabalhistas, tanto no âmbito judicial quanto administrativo, e por sua vez, proporcionar maior segurança nas contratações e relações estabelecidas com seus funcionários e prestadores de serviços.